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51º OsteRio

Osteria dell’Angolo

Inovação e Criatividade: o Rio competitivo.

O 51º OsteRio talvez tenha sido a edição mais concorrida de todas até então, com a presença de grande número de amigos e admiradores de André Urani, entre os quais autoridades, acadêmicos, empresários e políticos.

Esse foi o primeiro OsteRio após o falecimento do André, que em outubro passado presidiu o 50º OsteRio, sobre o humor carioca. A escolha desse tema naquela hora tão difícil foi bem a cara dele— e, mesmo três meses mais tarde, funcionou como uma ótima ponte para o assunto do 51º OsteRio, que ele mesmo também havia escolhido.

Estava presente o novo conselho do OsteRio, constituído para dar continuidade aos debates no segundo andar da Osteria Dell’Angolo: José Arnaldo Rossi, Olavo Monteiro de Carvalho, José Luiz Alqueres e Manuel Thedim.

Os três convidados contribuíram para um entendimento bem mais profundo da economia, indústria ou setor criativo, seja como for que se queira chamá-lo.

Armando Strozenberg, publicitário e jornalista de enorme experiência no mercado carioca, trouxe dados ilustrando a importância que essa área já ocupa na economia como um todo. Bob Wilson, um americano que trabalhou muitos anos no Citigroup, e hoje preside o fundo de venture capital Ouranos L, descreveu sua mais nova missão— de trazer um pouco da Califórnia ao Rio de Janeiro. Até meados desse ano seu mais novo empreendimento, Startup Rio, estará em pleno funcionamento, juntando investidores e ideias do mundo todo aqui na Cidade Maravilhosa. E Fred Gelli, cuja empresa Tátil Design criou o logotipo das Olimpíadas de 2016, falou das mudanças no mundo de trabalho que valorizam a vantagem competitiva do Rio de Janeiro.

Alguns dados surpreendentes, graças a Armando Strozenberg,:
Segundo a Firjan, em nenhuma outra unidade da federação brasileira a economia criativa é tão importante quanto no Rio de Janeiro, representando 4% do PIB estadual. A indústria criativa contribuiu com aproximadamente 2,5% do PIB brasileiro em 2010, aproximando-se da marca dos R$ 100 bilhões. São Paulo aparece como o estado de maior participação nesses números. Só em 2010, a economia criativa fluminense gerou 974 mil empregos, 24% do total de empregos com carteira assinada. A maior parte trabalha em arquitetura, moda e design.
O Estado do Rio apresenta a maior remuneração média do País paga a profissionais da economia criativa: R$ 3.014. Esse valor supera em 64% o salário das demais categorias de trabalhadores do estado.
Na capital apenas, a indústria criativa responde por 14,9% dos empregos e da massa salarial cariocas. Calcula-se que esse número seja maior ainda, pois existe muita informalidade nessa área.
A produção criativa depende muito de capital cognitivo-o que se desenvolve principalmente nas cidades que têm uma história cultural forte e alto padrão de educação. De acordo com o Instituto Pereira Passos, em 2008 o Rio abrigava 11% das universidades públicas do país.
Dos filmes nacionais lançados, 55% foram produzidos na cidade em 2010, e dois terços desses ultrapassaram a marca de 100 mil ingressos vendidos. O Rio sedia duas das três maiores distribuidoras brasileiras (em renda e público), sete das dez maiores produtoras, e três grandes centros de produção. É o local escolhido por 48% das produções estrangeiras realizadas no país; aqui acontece o maior festival de cinema da América Latina.
Na moda, grifes como Farm, Animale, Richard’s, Antonio Bernardo, Cantão, Isabela Capeto e Osklen, para citar apenas algumas, são conhecidas em todo o Brasil. E já somos os maiores exportadores de moda do país.
Nas áreas de teatro e música, temos um número crescente de produções musicais, a volta de shows internacionais e o ressurgimento da Lapa, com a abertura de novos espaços.

Várias instituições reconhecem a importância da indústria criativa e agem no sentido de fomentá-la. Em agosto de 2010, a Secretaria de Estado de Cultura lançou o programa Rio Criativo, que funciona como incubadora. A Escola Superior de Propaganda e Marketing, sob a liderança do professor e pesquisador João Luiz de Figueiredo, criou recentemente um núcleo de Economia Criativa. E a Firjan, no fim deste ano, abre a Casa Firjan da Indústria Criativa na belíssima residência ocupada por Francisco Eduardo de Paula Machado, na rua São Clemente, em Botafogo.

Armando notou a importância de gestão e de novos modelos de negócios, como, por exemplo, o crowdfunding.

Fala-se muito em indústria criativa, mas o que é, exatamente? Armando trouxe essa informação.

A expressão indústria criativa foi cunhada, em 1998 no Reino Unido para designar os setores que têm sua origem em criatividade, aliada à perícia e talento individuais, com potencial para gerar lucro e empregos "por meio da geração e exploração da Propriedade Intelectual".

Antes, a ONU já havia definido as indústrias criativas como "ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários".

O nosso Ministério da Cultura substituiu o termo "indústria" por "setor"; enfatizou o "valor simbólico" como a principal conseqüência do ato criativo; e igualou os pesos de "riqueza cultural" e "riqueza econômica".

Para o MinC, são cinco os campos criativos, ou setores: patrimônio (material, imaterial, arquivos e museus); expressões culturais (artesanato, culturas populares, culturas indígenas, culturas afro-brasileiras e artes visuais); artes de espetáculo (dança, música, circo e teatro); audiovisual e livro (cinema e vídeo, publicações e mídias impressas); e criações funcionais (moda, design, arquitetura e arte digital).

Esse elenco de setores, por sua vez, difere levemente daquele proposto pela ONU e no qual a Firjan se baseou para realizar o pioneiro levantamento do peso da indústria criativa no Brasil, e no Rio de Janeiro. Além de utilizar o termo "indústria", a análise da Firjan considerou como núcleo da economia criativa as seguintes atividades: expressões culturais; artes cênicas; música; filme e vídeo; TV e rádio; mercado editorial; software e computação; arquitetura; design; moda; publicidade.
Recentemente, Bob Wilson fez uma viagem à Califórnia. Lá ele constatou que, apesar da recessão americana, a energia investidora está tão a flor da pele que um casal ganhou US$ 100 mil apenas porque deu carona para um investidor cujo carro enguiçara. Sem dinheiro depois de atravessar o país em busca de investimento, o casal dormia no carro. Mas ganhou a chance de realizar sua ideia na área de alta tecnologia porque ficara atento aos Tweets de um dos maiores "anjos" na Califórnia, e pôde ajudá-lo em um momento de necessidade.

Esse ambiente, Wilson sustenta, está chegando ao Rio de Janeiro. Hoje em dia, um start-up custa relativamente pouco, e com um capital inicial pode entrar em operação num prazo curto. Isso se deve, em grande parte, à agilidade que a Internet proporciona aos negócios. Sócios podem se encontrar e desenvolver uma ideia, por meios virtuais, em pontos opostos da face da terra. "O país, para o jovem de hoje, é o mundo," disse Wilson.

Com base em sua experiência, aptidão e capacidade de observação, Wilson criou uma nova empresa: Start-Up Rio. No Chile, ele relatou, o presidente do país, Sebastián Piñera, criou o Start-Up Chile, para ajudar o país a diversificar sua economia, muito atrelada na exportação de vinho, frutas e matérias primas. No caso chileno, disse Wilson, o presidente gastou seis milhões de dólares no primeiro ano, em quase 150 startups-que são exclusivamente de não-chilenos. Os nativos são barrados do programa; o presidente, um bilionário com PhD em economia de Harvard, queria justamente fomentar a diversificação, a mescla.

"A gente não vai barrar brasileiros do programa aqui," Wilson assegurou, acrescentando que o Rio de Janeiro é uma cidade muito mais atrativa do que Santiago de Chile.

Fred Gelli explicou que a economia criativa se constrói pela soma de diferenças. Pela primeira vez, graças à internet, o ser humano está começando a equilibrar a competitividade com a cooperação. Estamos seguindo o exemplo da própria natureza, ele assinalou, um ambiente de trocas. A Wikipédia é pioneira nesse âmbito, diz ele, onde o próprio organismo expurga o que não funciona. Os aplicativos da Apple e de outras empresas são desenvolvidos em ambientes abertos, de muita troca.

"O lucro do indivíduo só existe se existir o lucro dos outros," explicou, contando a história do leão que mata uma zebra para poder saciar o apetite, para logo depois conviver com outras zebras na hora de beber água. O motivo, diz o Gelli, é que, como o leão não dispõe de freezer, ele é econômico na sua competitividade. "O que complicou nossa situação como espécie foi a ganância," afirmou.

E o Rio de Janeiro, diz Gelli, é um ambiente com longa experiência de fazer muito com pouco. Agora só falta profissionalizar o que já sabemos fazer. Tanto é nossa vantagem, acredita ele, que o grande designer inglês Ron Arad, depois de visitar favelas cariocas, levou o ambiente de improviso e economia que ele observou na favela, para sua sala de aula no Royal College. "Temos que sair da dimensão do improviso, da intuição, e transformar esse drive natural do carioca, do brasileiro, em uma forca competitiva," finalizou Gelli.

Na hora do debate, Alessandro, um dos sócios da Osteria, perguntou sobre o futuro do capitalismo, frente às mudanças em andamento. "De cinco a seis anos para cá," respondeu Armando Strozenberg, "a publicidade deixou de ser algo por onde um convence ao outro. O consumidor nunca teve tanta força." Bob Wilson lembrou que a natureza não acumula riqueza e ponderou que talvez precisemos de um novo acordo Bretton Woods. "Uma marca tem que ter valor para todos," lembrou. "Vai tentar transformar a vida das pessoas, em vez de tentar ser o melhor".

Alguns interlocutores, entre eles o economista Mauro Osório e a deputada estadual Aspásia Camargo, estavam céticos, lembrando a falta de infraestrutura, os custos altos de fazer negócios no Brasil e a falta de seriedade generalizada. O quadro deve mudar gradativamente, disseram Gelli e Wilson; estaríamos na iminência de uma revolução.

Julio Bueno, Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, ressaltou a importância, mesmo em pleno século XXI, das indústrias petrolífera, química, de aço e automobilística, na economia fluminense. "Ainda teremos a convivência do século XXI com o século XX," disse.

Apesar das ressalvas e dúvidas, a sensação no fim da noite foi de otimismo e felicidade nesse reencontro de amigos e colaboradores. "Não há razão de não conceber o próximo Google nesse país," previu Bob Wilson.