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50º OsteRio

Osteria dell’Angolo

Com Chico Caruso e Marcelo Madureira.

A ideia era de falar seriamente do humor carioca, como fonte de valor agregado na economia criativa. Mas o humor carioca não pôde senão divertir a todos, no debate mais engraçado até hoje do OsteRio. Teve até recital de Chico Caruso, de, por exemplo, um rap sobre o Kaddafi (que tinha acabado de ser assassinado), e uma música da "dupla caipira esquizofrênica" Itamar e Itapior, que ele costuma apresentar junto com o irmão gêmeo, Paulo.

Marcelo Madureira nunca planejou ser humorista. "Queria ser presidente do BNDES, trabalhar na ONU," ele contou, já provocando risadas.

"O BNDES é um lugar bem engraçado, e hoje é mais engraçado do que na minha época. Se você pensar, hoje tem operações que a gente na minha época a gente não faria de jeito nenhum."

Quando Madureira trabalhou no banco, ele já brincava, escrevendo um folhetim a clé; todos tentavam adivinhar quem eram os verdadeiros protagonistas. Imaginava um "pibômetro" na sala do chefe; quando o PIB chegava a um certo patamar, bem baixo, mexia-se em umas alavancas, abrindo um alçapão pelo qual choviam projetos que seriam realizados pelo banco, "caindo nas nossas cabeças".

Quando Madureira entrou na televisão, graças à ida do Jô Soares para o SBT (o que abriu uma brecha na grade global), estava fazendo mestrado de economia. Antes, ele estudou no Colégio da Aplicação, fez engenharia no Fundão, e estudou planejamento industrial na Itália com Romano Prodi, que depois veio a ser primeiro ministro do país. Era um cara sério. Fazia humor como hobby.

"Nunca pensei em viver de humor," ele confessou. "Nunca estudei teatro. Não sou veado."

O grupo de humor Casseta Popular foi fundado na escola de engenharia pelo Marcelo, Helio de La Peña, e Beto Silva. O resto é história...

Chico Caruso queria ser arquiteto. "Eu e meu irmão gêmeo, a gente se deu conta de que éramos engraçados por natureza. Dois iguais, a família vestia igual. Em festas a gente cantava junto. Meu avô materno era pintor amador e fazia caricatura dos amigos. Caçavam veados," ele disse, com uma pausa premeditada. "Em São Paulo." Os dois seguiam o exemplo do avô - no quesito caricatura. Chico Caruso começou a desenhar aos 17 anos num jornal de São Paulo, em meados de 1968. No fim daquele ano, veio o AI5, com a censura.

"Antes, eu fazia dez desenhos por dia. Depois, dois. Estudava arquitetura. Mas vi que os desenhos a mão livre eram muito mais divertidos. Ninguém vai morar dentro de seu desenho," comentou Caruso. Naquele tempo, ele relatou, o lado engraçado das coisas não era muito óbvio. "Teve um dia que eu desenhei um industrial com um capacete em formato de cifra, na frente de uma chaminé com muita fumaça. Ele era um esqueleto. Percebi que se continuasse assim, eu ia morrer. Tive que procurar onde estava o humor das coisas."

O papel do artista, disse Madureira, é criar problema, botar o dedo na ferida da sociedade. E mais poder que o objeto do humor tiver, mais facilidade para caricaturá-lo, acredita Caruso. Fernando Henrique Cardoso foi difícil por ser um homem bonito, disse ele. O "assim não pode, assim não dá" do Hubert, do Casseta, assinalou Caruso, foi uma descoberta sensacional.

Hoje, Madureira se queixou, o estado dificulta o trabalho do artista, tentando ditar o que seria uma piada aceitável, e também por ser uma fonte de recursos que domina o mercado, e assim "torna o artista refém". Diz ele que a mídia se foca tanto em casos como a piada ofensiva de Rafinha Bastos e o comercial supostamente machista da Gisele Bündchen, que as pessoas se esquecem de debater questões mais importantes. "Sou a favor da liberdade total," disse ele. "Rafinha Bastos pode dizer o que quiser, é só mudar de canal." As emissoras de televisão aberta, acrescentou, temem ofender a nova classe média, fugindo de assuntos como religião.

Madureira ainda se considera malquisto pela Petrobras; o filme novo do Casseta, Agamenon, não tem recursos dela nem de qualquer patrocinador tradicional. "Eu sou persona non grata na Petrobras, eles queriam me botar num helicóptero de plataforma de petróleo e me jogar de cima!"

Os dois humoristas ainda comentaram a ida de vários humoristas cariocas para São Paulo, e o fato de o mercado de lá ainda ser mais agitado do que o daqui, apesar do crescimento da economia fluminense. Ficaram de combinar a vinda do evento Risadaria.

Como não poderia deixar de ser, mulheres foram um assunto das mais quentes da noite, com os dois concordando que elas precisam, antes de mais nada, entender as piadas. Madureira tentou justificar sua posição afirmando que os homens param de amadurecer mais cedo do que as mulheres, tendo assim um senso de humor menos sofisticado. "Homem que se leva a sério é picareta," finalizou.

As mulheres no poder-tantas, hoje - suscitam preocupação. Imagina-se reunião de cúpula em salão de beleza, fofocas a granel, o botão de guerra nuclear sendo espremido num momento TPM. "O poder é afrodisíaco, deve ter alguém dando em cima da Dilma," especulou Madureira, pedindo informações à jornalista Dora Kramer, presente. "Quem esta comendo a nossa presidenta? É uma questão de estado!"

Naquele dia, Caruso havia acabado de desenhar uma charge com as mulheres que são lideres mundiais...

André Urani comentou que, a exemplo de Barcelona, o Rio de Janeiro hoje busca o desenvolvimento de uma economia "quinária"— de conhecimento, criatividade e inovação. A respeito disso, ele pediu um comentário de David Zylberstajn, que está ampliando suas atividades para além da área de petróleo, para trabalhar com entretenimento. Recentemente, Zylberstajn assumiu a direção geral de Rio 360º, empresa especializada em comunicação, consultoria e marketing promocional na área cultural.

Residente de São Paulo por muitos anos antes de voltar a morar no Rio, Zylberstajn citou Elizabeth Bishop, que disse, "O Rio de Janeiro não é uma cidade maravilhosa, é uma paisagem maravilhosa para uma cidade". Na opinião do Zylberstajn ocorre um renascimento cultural no Rio, com eventos e atividades que fazem a cidade "mais lúdica". "Estamos incorporando a cidade à moldura," ele disse.

Tal incorporação com certeza conta com os humoristas, que mexem com valores e preconceitos, às vezes à revelia dos que riem.

"O Nizan Guanaes não entende," brincou Madureira, se referindo ao publicitário baiano residente em São Paulo, que cuida da imagem do Flamengo. "No Rio de Janeiro, usar camisa de time, sobretudo na segunda-feira, é sinal de pobre." Ele continuou com a tema. "Quem chama a mulher de esposa é pobre."

"Quem entra em fila é pobre," emendou Caruso.

Apesar de alguns protestos na plateia, Madureira não se conteve. "Quem chama o marido pelo sobrenome é pobre, quem chama a esposa de patroa é pobre..."

E assim, entre gargalhadas e aplausos, terminou o 50º debate do OsteRio!

O programa OsteRio - sempre às segundas-feiras - é uma iniciativa do IETS, da Osteria Dell’ Angolo e da Ligth