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46º OsteRio

Osteria dell’Angolo

Os impactos do pré-sal sobre a economia fluminense

Com Julio Bueno, Secretário Estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços e David Zylbersztajn, consultor, ex-Presidente da Agência Nacional de Petróleo

A cidade de Houston cruzada com Barcelona? Será esse o futuro do Rio de Janeiro, como sugeriu o secretário Julio Bueno?

Nas apresentações dos dois palestrantes e no debate que as seguiu, muitas dúvidas e questões surgiram sobre a capacidade do Rio de Janeiro para administrar e aproveitar plenamente essa oportunidade única— a camada de pré-sal , que fica a 300 quilômetros de sua costa, a uma profundidade de sete quilômetros.

Existem muitas dificuldades e desafios pela frente, e ninguém sabe como o panorama energético será daqui a cinco, dez ou vinte anos. Será que o termo "pré-sal" vira obsoleto antes que o petróleo começa a fluir? "O Brasil está apostando no século XXI, com a energia do século XX," disse Zylberstajn, ao finalizar a apresentação dele. "A idade da pedra não acabou porque a pedra acabou".

O que vem à mente logo é o último milagre brasileiro— dos anos setenta, quando bancos internacionais se empolgaram com o potencial do país e nos emprestaram um rio de dinheiro. Aí veio a crise do petróleo e a alta dos juros, e na década seguinte, o Brasil ficou profundamente marcado pelo peso da dívida externa e a inflação. A palavra crise ecoava até perder o sentido.

Hoje, como relatou Olavo Monteiro de Carvalho, presidente do conselho da agência municipal de fomento ao investimento, a Rio Negócios, "praticamente não há mais espaço no parque industrial de Santa Cruz". Em um ano apenas, a agência atingiu sua meta de atrair US$ 1 bilhão em dois anos. Grande parte desse feito é ligada justamente à extração de petróleo da camada pré-sal.

Olavo Monteiro de Carvalho: com toda essa demanda, os preços apenas começaram a aumentar

O debate contou com a presença na platéia de representantes de interesses comerciais russos e italianos. Faltavam apenas os chineses, como brincou André Urani - e, é claro, os americanos, que lideram o ranking de investidores estrangeiros. De acordo com uma reportagem sobre o mesmo assunto, o estado atraiu US$ 18,4 bilhões no ano passado, dos quais a maior parte cabe a atividades ligadas direta ou indiretamente ao pré-sal.

"É quase um delírio estar na posição em que estamos hoje," disse Julio Bueno. "O pré-sal é uma enorme possibilidade, com 100 bilhões de barris estimados de reserva." Lembrou que quando ele começou a carreira como engenheiro na Petrobras, há 33 anos, a autossuficiência era um sonho difícil de ser alcançado. Até a descoberta do pré-sal, as reservas nacionais totalizavam 14 bilhões de barris e em toda sua história o Brasil havia tirado nove bilhões de barris de suas reservas.

Bueno logo notou que as reservas podem deixar de cumprir com a expectativa, como já aconteceu no caso de um campo no Espírito Santo. Mesmo assim, Bueno acrescentou, o Rio de Janeiro já está se tornando o centro nacional, e possivelmente o da América Latina, de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia petroleira. Siemens, IBM e Usiminas, entre outras empresas, já estão trabalhando aqui nesse sentido; há uma dúzia de centros de pesquisa ao todo, abrigando de dois a três mil PhDs. Isso, ele disse, só pode fazer bem para a área de ciência e tecnologia do país.

Bueno: a nova política do governo federal, de requerer um índice alto de conteúdo nacional nos equipamentos petrolíferos, cria dificuldades para o setor. O Rio será uma mistura de Houston com Barcelona

A vantagem para o Rio é que as empresas fabricantes se localizam no estado. Metade dos empregos da indústria naval está no Rio de Janeiro; a Rolls Royce, que fabrica turbogeradores, acaba de chegar.

Apesar das dificuldades e incertezas, o Secretário disse acreditar que o Brasil tem a capacidade financeira, tecnológica e gerencial para tirar o petróleo do pré-sal.

Foi exatamente a questão de capacidade o foco da apresentação de David Zylberstajn, que contou um pouco do que foi o horror do vazamento de petróleo no Golfo de México, no ano passado. O acidente, diz ele, aconteceu em uma sonda a apenas 120 quilômetros da costa-menos da metade da distância do nosso pré-sal. Sangrou por 85 dias; mobilizou 30 mil pessoas, sete mil embarcações, e cem aviões.

A ideia era de imaginar esse cenário aqui, para começar a perceber o desafio. "O Brasil não fabrica boias," ele disse, em tom de brincadeira.

De 2008 a 2012, a produção da indústria ligada ao petróleo terá sido de 60% da produção industrial brasileira- num momento em que a indústria nacional perde mercado por motivo do real forte. Enquanto o Brasil se desindustrializa por conta do boom de importações, o Rio de Janeiro anda na contramão, no setor de petróleo.

Diz Zylberstajn que em valores reais a Petrobras está gastando mais, para tirar o petróleo do pré-sal, do que os EUA gastaram para pôr um homem na lua. A capitalização desse processo é, portanto, problemática, na opinião de ambos os palestrantes.

Porém, Zylberstajn preferiu focar na logística- o componente mais assustador do cenário pré-sal.

Logística

  • Atualmente, as 50 plataformas de petróleo, localizadas a 140 quilômetros da costa, requerem 60 mil vôos por ano de helicóptero. Com o acréscimo planejado de 50 plataformas adicionais, a 350 quilômetros da costa, será necessário utilizar um novo tipo de helicóptero, capaz de viajar longas distâncias. Atualmente, existem apenas dois pilotos capacitados para isso, no Brasil. Provavelmente haverá uma maior automatização das plataformas, e a criação de ilhas intermediárias entre a costa e os equipamentos.
  • O consumo atual de energia para das plataformas é de 100 MW. Mais 50 plataformas representa o equivalente de energia que atende a cidade de São Paulo.
  • Até 2020 planejam-se mais 58 plataformas. Cada uma custa US$ 600 milhões, ou um aluguel de 600 a 700 mil dólares por dia.
  • Precisa-se de mais 300 navios petroleiros.

Nos próximos 5-8 anos, serão necessários

  • 330 geradores a turbina
  • 610 mil válvulas
  • 10 mil quilômetros de cabos elétricos submarinos
  • 17 mil quilômetros de tubos flexíveis
  • 4,8 toneladas de aço
  • 68 milhões de homens/hora de engenharia

Depois de ouvir esses números, o economista Armando Castellar perguntou jocosamente se não se estava construindo um "trem-bala do mar".

Zylberstajn: no ano passado, o petróleo representou 12% do PIB nacional, e até 2020 cresce até 20%.

De acordo com Zylberstajn, a atual escassez de mão de obra que o Brasil experimenta de maneira geral é bastante presente no setor. "Na Petrobras, não há gente para administrar as novas plataformas," ele disse. Renata Cavalcanti, Subsecretária Estadual de Energia, estava na plateia e discordou na hora do debate. Diz ela que 75 mil pessoas já foram capacitadas para trabalhar no setor, e que se as metas não forem atingidas até 2020, a Petrobras está trabalhando nisso e chegará lá em 2025 ou 2030. Mas o palestrante notou que esse número representa apenas um quarto do que seria preciso.

Foi José Luiz Alqueres, na hora do debate, quem se lembrou do meio ambiente, culpando a Petrobras pela "destruição" da Baia de Guanabara. "Segundo alguns biólogos," ele mencionou, "o fundo da baia é irregenerável. A General Electric limpou o Rio Hudson. Isso deve ser a pauta número um do Rio. Devia haver uma autoridade da bacia para cuidar disso; o turismo iria pagar essa conta".

O secretário Bueno discordou dessa leitura da questão ambiental. "Saneamento básico, lixo e desmatamento são os maiores problemas ambientais," disse ele. "O problema não são as grandes empresas."