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61º OsteRio

As premissas básicas da construção de políticas públicas para a cidade: liberalismo ou intervencionismo?

Noite 2 - dia 6 de agosto de 2012 com o urbanista e historiador Pedro Claúdio Cunca Bocayuva, coordenador do núcleo de pesquisa do Centro de Estudos e Pesquisas BRICS, e o economista Francisco Menezes, coordenador no IBASE e especialista em segurança alimentar, moderados (com comentários) pelo geógrafo Jailson Souza e Silva, criador do Observatório de Favelas.

Enquanto pelo menos um idealizador desse debate, Elena Landau, sugeria deixar de lado a divisa esquerda/direita para que todos se juntem na elaboração de políticas públicas efetivas, os debatedores nesta noite disseram ainda ver utilidade na divisão.

Jailson Silva e Souza explicou que o abandono da distinção iria tornar o ato de governar em algo meramente técnico. Para ele, há valores, conscientes ou subjacentes, que devem ser levados em conta no âmbito público.

"Conheço uma senhora que mora na Barra," ele exemplificou, "que se considera uma ótima mãe, uma boa pessoa e tudo mais, mas ela se opôs à extensão do Metrô para aqueles lados porque iria ’trazer mais farofeiros’. Para mim, essa senhora é de direita".

De acordo com Silva e Souza, a direita não dá a atenção devida à dignidade da pessoa, à necessidade para a aceitação das diferenças, e à convivência.

Apesar desta discordância fundamental, nesse debate encontrou-se bastante terreno comum. Tanto debatedores como o público manifestaram preocupação com modelos falidos de participação e da política em geral. Também se falou do confuso cenário de políticas públicas, onde reinam hibridizações e políticas sobrepostas, de diversas origens ideológicas.

Acima de tudo, a constatação geral é de que os governos precisam ser muito mais eficientes no suprimento das demandas e necessidades da sociedade.

Chico Menezes, que foi presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional durante o primeiro mandato do presidente Lula, falou sobre sua experiência com a participação pública em conselhos e câmaras em Brasília.

Fazendo eco aos participantes do primeiro debate sobre o assunto liberalismo versus intervencionismo, Menezes mencionou a dificuldade de lidar com a fragmentação de interesses específicos e corporativos, ao detrimento do bem comum.

No governo Lula, disse ele, era para o Conselho de Segurança Alimentar contribuir à elaboração do programa Fome Zero. Mas, acrescentou Menezes, foi "difícil agregar ministros em torno de um mesmo objetivo", e as reuniões interministeriais não aconteciam da maneira devida.

A presidência ou um único ministério teria que liderar a elaboração de políticas intersetoriais com bastante firmeza, ele comentou. Também, é preciso determinar o papel de um conselho, sendo que um presidente eleito com cinquenta milhões de votos não vai necessariamente acatar recomendações. "Deve ser propositivo", sugeriu. Coerência técnica não é suficiente, acrescentou, pois tudo desemboca na necessidade de conseguir a aprovação das propostas pelo Congresso.

Cunca Bocayuva fez um breve resumo da história das bases do Estado brasileiro. Existe um grande debate ainda inconcluso, sobre a transformação do Estado Getúliano, entre um estado amplo e um estado mínimo, o que incorpora as diferenças entre esquerda e direita. A Constituição de 1988 foi elaborada em três eixos, sendo um patrimonialista, proprietário, agrário, controlador; um de social democracia, de direitos sociais; e um no espírito liberal, com a centralidade da propriedade. Esse tripé está presente na Grande Carta. Isso informa todo o debate político, disse ele.

O debate brasileiro acontece dentro do contexto mundial dos modelos norteamericano e europeu, atualmente em crise. Aqui há muitas ambivalências, na saúde, na educação e outros setores. Temos ao mesmo tempo o SUS, os OS, e a privatização da saúde. Saõ hibridizações contraditórias.

Nas cidades existe outro tripé contraditória, desta vez de prioridades, de acordo com Cunca Bocayuva: a da atratividade de capital global; a da construção da nova classe media; e a da periferia (favela).

Para Cunca, o cerne da disputa hoje entre esquerda e direita está nas noções de reforma e de direitos. Por muito tempo, a reforma de estado era uma demanda da esquerda e da social democracia, mas hoje são os liberais que se apoderaram da questão.

Por outro lado, a esquerda ainda não se adaptou ao mundo novo, onde o trabalhador assalariado não é mais um elemento central da economia, disse ele. A novidade é que todo mundo disputa tudo, inclusive a cidade. "Favela é grilagem, Barra da Tijuca, também," Cunca afirmou. "E todo mundo quer serviços-transporte, segurança, etc."

Enquanto Jailson Souza e Silva instigou os participantes a pensar nas reais diferenças entre esquerda e direita, Elena Landau desafiou a todos a pensar em qual seria o melhor instrumento para chegar no objetivo comum? Mais estado, ou mais participação da comunidade? "O que é que o Rio de Janeiro pode ser?" ela perguntou. "Se a gente cair no direita/esquerda, a gente vai para lugar nenhum."

Miguel Lago perguntou sobre os conselhos, tanto deliberativos como consultivos. Quem participa num conselho? Como se decide quem vai participar? Parece que acaba sendo um instrumento para legitimar um estado autoritário. Qual seria um modelo para participação real? Não houve resposta; quem sabe o Meu Rio, que Lago ajudou a fundar em 2011, seja um novo modelo para a atuação política.

Leônidas perguntou sobre o mensalão; Cunca afirmou que o sistema político atual se esgotou completamente; as alianças para a governabilidade têm nada a ver com programas. O mensalão é resultado desse sistema.

Cunca disse ainda que falta nitidez, que realmente existe direita e esquerda, mas que é necessário distinguir entre atores e políticas, estrategicamente. Gostaria de ver um plano diretor da cidade, com participação e legalidade. Acha que precisamos de mais continuidade de mais voz, e espera que o crescente acesso ao Internet, à informação, ajude a desenvolver voz.

Hank Jackelen comentou que a qualidade do estado, em vez da dicotomia esquerda/direita, é primordial. Perguntou se deveríamos repensar o parlamentarismo para o Brasil, pois tal sistema iria trazer as alianças às claras.

Manuel Thedim disse perceber muita convergência no debate. Centralidade do individuo, ou a centralidade do Estado? Como tornar o governo eficiente? Até agora, ele não se mostrou eficiente. Como auscultar a sociedade?

José Arnaldo Rossi comentou que as duas grandes instituições de participação política-os partidos e os sindicatos, no Brasil nasceram do Estado, e continuam financiados por ele. Perguntou: onde buscar um associativismo que funcione num contexto em que tudo começa com o estado?

Souza e Silva conclamou a todos a pressionar o Estado e o mercado a concretizarem a cidade que queremos-uma cidade não sujeito acima de tudo à ordem e à tutela, mas de respeito e igualdade. Mudar consciências é a tarefa para todos, disse. Assim, talvez a pouca qualidade do debate público, que Cunca identificou, aumente.

Por fim, Souza e Silva sugeriu pensar a cidade em termos dos deuses gregos Apollo e Bacco. A cidade formal seria o primeiro, enquanto a favela seria o segundo. André Urani, ele lembrou, uniu como ninguém esses dois aspectos do ser humano, de luz e do vinho. Assim, mostrou um caminho para todos os cariocas.