Imagine um verão no Rio de Janeiro com poucas chuvas (porém muito fortes), temperaturas máximas quase quatro graus acima das registradas hoje e uma elevação de 82 centímetros no nível do mar. Tudo isso somado, é claro, a todas as consequências que esse cenário pode acarretar: enchentes, problemas no saneamento básico, epidemias de doenças contagiosas e desabastecimento de água.
O quadro alarmante não é exagero: foi formulado a partir de dois grandes estudos sobre os impactos da mudança climática nas cidades brasileiras — um encomendado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência e outro liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz)."Estamos saindo do ’Rio, 40 graus’ para o ’Rio, 50 graus’", provocou Rodrigo Rosa, assessor especial do prefeito do Rio e coordenador do Programa de Adaptação e Resiliência às Mudanças Climáticas na cidade, durante o último OsteRio, realizado esta terça-feira (3/11) no restaurante Osteria dell’Angolo, em Ipanema. "Não é exagero imaginar que, em 30 ou 40 anos, as temperaturas máximas de hoje serão as mínimas."
Rosa falou ao lado da geógrafa Branca Americano, responsável pelo programa de politica climática do Instituto Clima e Sociedade. Apesar do futuro sombrio — ou excessivamente ensolarado —, ambos os convidados concordaram que o debate avançou nos últimos tempos. "Estou nesse tema há muitos anos e, hoje, vejo como ele evoluiu. Antes, a mitigação e a adaptação [às mudanças do clima] eram malvistas. Depois, a adaptação passou a ser tema ’dos pobres’, mas hoje ela integra a ideia de resiliência — ou seja, como se transformar entendendo o desafio que teremos pela frente", avaliou Americano.
No mundo todo, o consenso em torno da ideia de aquecimento antrópico é cada vez mais forte. Os chamados negacionistas — aqueles que consideram o aquecimento global um processo natural do planeta, no qual a atividade humana tem pouco ou nenhum impacto — estão em cada vez menor número.
Apesar das evidências de que o futuro será quente e repleto de desastres naturais, os países relutam em agir. Quarenta das maiores cidades do mundo se reuniram no grupo C40, no qual discutem formas de se adaptar e combater as mudanças em curso. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, é presidente do conselho diretor do grupo e, no início desde ano, lançou um plano de resiliência para o Rio, que servirá de modelo para outras cidades.
No próximo ano, o Rio também contará com um escritório do C40 na cidade — o primeiro da América Latina. Nas palavras de Rosa, que contou a novidade em primeira mão no OsteRio, esse será o legado de Paes para o grupo. "A ideia é basear a rede temática de resiliência e gestão de risco aqui", contou o assessor. "A ideia é montar o escritório no Museu do Amanhã."
Entre os projetos elencados no plano, estão a construção de "piscinões" na Grande Tijuca para evitar inundações decorrentes de chuvas fortes; implantação de corredores de ônibus e implantação de plano de evacuação para eventos extremos. Ao mesmo tempo, a prefeitura já avisou que não cumprirá a meta de plantio de árvores para combater as emissões de gases estufas causadas pelas obras de preparação para as Olimpíadas. "A discussão ainda está pobre, não enfoca o tema urbano como deveria", avaliou Rosa. "Estamos num processo de transição: o cidadão começa a perceber o papel que tem, como pode colaborar. E o poder público precisa mostrar que há um planejamento, uma coordenação efetiva."
Para Americano, uma das principais lacunas do poder público é a falta de uma coordenação entre os diversos setores dos governos (habitação, meio ambiente, transporte etc.). "Mudança climática é um tema transversal, então deveria haver uma coordenação do governo. O Brasil não tem visão estratégica", criticou, mencionando o programa do etanol (combustível menos poluente se comparado à gasolina), que perdeu investimentos do governo.
Em uma esfera mais "macro", Americano enfatizou a magnitude das mudanças que deverão ser implementadas pelos governos nacionais. "Temos que reduzir as emissões em 80% ate 2050. Isso significa um esforço monumental envolvendo interesses enormes — é briga de cachorro grande, vai contrariar grandes interesses. E, nesse ponto, com podemos envolver os perdedores numa saída honrosa? As empresas de petróleo vão se tornar empresas de energia? Esse é o maior desafio."
Os interesses em jogo dificultam — em muito — os avanços de medidas efetivas. Na plateia do debate, o engenheiro David Zylbersztajn comentou a falta de preparo do Brasil para lidar com consequências das mudanças climáticas — como, por exemplo, o fluxo migratório do Nordeste para o Sudeste provocado pela seca e crise econômica. "As usinas estão parando no Nordeste, a agricultura está em crise. Esse fluxo vai exigir primeiro medidas que ajudem as pessoas a manter as casas onde estão e, onde não é possível, preparar as cidades para receber um contingente de pessoas com solidariedade, infraestrutura etc.", comentou.